novas formas de lembrar
as montanhas do sul de minas gerais compõem uma das paisagens mais lindas do mundo.
talvez eu seja suspeite pra falar, vindo orgulhosamente de família parte mineira, parte carioca. por esse mesmo motivo, passei parte da minha infância admirando aquele mar de montanhas da janela do carro (pelo menos na páscoa, no natal e no aniversário da minha avó — que, pra minha sorte, cai pertinho do dia das crianças).
se eu não estivesse tão distante desse mundo, essa paisagem seria suficiente pra me catolizar. como é que não foi uma força onipresente e infinitamente generosa que me presenteou com essa vista? como é que, mesmo completamente imóveis, as montanhas parecem sempre ser tão novas? tão diferentes desde a última vez que eu as vi? são familiares, sim, e eu sei que elas aparecem na janela (do lado esquerdo na ida e do lado direito na volta) com mais ou menos 1 hora de viagem. mas ainda assim eu sempre me surpreendia. fosse o clima, fosse o horário, a serra parecia se arrumar em preparação pra minha chegada.
pensando nesse amor pelo que eu-criança nomeei (e depois descobri que eu não era tão original assim) “mar de montanhas”, e no carinho pela memória que nunca me abandonou, eu inventei de tentar reproduzir digitalmente essa vista.
acho que parte dessa jornada foi aceitar que eu não consigo reproduzir nem as montanhas, nem o meu sentimento. eu sempre tive dificuldades com arte visual, porque me fixava no realismo e reprodução das coisas, não nas sensações que eu passava pro objeto-criação (e passava adiante). mas o meu processo criativo atual, que tem me ajudado bastante, é bem simples, na verdade.
primeiro fazer, depois pensar. editar um pouco. e pronto.
repetir quantas vezes for necessário.
(ou não! a graça é essa também, não “tem que” nada)
essa ordem sempre foi invertida dentro da minha cabeça. eu achava que todos os grandes artistas pensavam muito no que iam fazer e sabiam exatamente qual seria o produto final. o processo criativo era 90% pensamento e planejamento e 10% pôr a mão na massa. falando desse jeito, fazer arte parece ser, além de muito difícil, muito chato.
talvez a escrita pareça uma prática que requer mais planejamento, se você fala você necessariamente quer dizer algo. mas isso não é verdade.
recentemente eu conheci o trabalho de uma escritora chamada Gertrude Stein (poeta lésbica amiga do Matisse não preciso dizer mais nada). os poemas dela, à primeira vista, parecem fazer todo o sentido. mas, ao olhar mais de perto, quase lembra uma IA dando defeito. a “gagueira” e a falta de sentido quase enganam os olhos, é um surrealismo muito curioso. um exemplo:
ROSE IS A ROSE IS A ROSE IS A ROSE
Rose is a rose is a rose is a rose
Loveliness extreme.
Extra gaiters,
Loveliness extreme.
Sweetest ice-cream.
Pages ages page ages page ages.
(tradução por mim mesma sem compromisso)
Rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa
Encanto extremo.
Polainas extras,
Encanto extremo.
O sorvete mais doce.
Páginas age página age página age.
aí você me pergunta: que porra é essa?
e eu te respondo: sei lá! mas não é maneiro?
eu não tenho como saber qual era o processo criativo da Gertrude, mas imagino que tenha sido quase uma prática meditativa, pelo menos no primeiro rascunho. deixar as palavras ocuparem o papel, e as mãos serem só um meio de transporte. é mais ou menos isso que eu tenho me proposto a fazer. em todas as mídias possíveis, agora na visual também!
eu tava ainda pensando se postava ou não esse trabalho sendo feito, mas acho maneiro compartilhar iterações pra ter esse registro quando tiver mais finalizadinho. no fim das contas, esse é um ensaio sobre criar mais que um “olha o que eu fiz”.
dito isso: olha o que eu fiz!
legal, né?
LINDO!